Socialismo soviético não é apenas o passado, mas o futuro da Rússia.
Sob a polêmica liderança de Guenadi Zyuganov, comunistas aumentaram sua presença na Duma
“Um partido jovem, moderno, forte, com uma equipe enérgica e excelente programa”. Foi dessa maneira que o líder do Partido Comunista da Federação Russa (KPRF, na sigla em russo), Guenadi Zyuganov, definiu o partido, que acaba de completar 20 anos.
O Partido Comunista russo foi fundado em 1993, dois anos depois da proibição do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), por Bóris Iéltsin. Zyuganov trabalhou no departamento ideológico do PCUS e, desde 1993, é o líder do KPRF.
“Naquela época, estavam todos com as ideias muito confusas. Juntei algumas pessoas na cozinha e disse que o ideal vermelho permaneceria. O ideal de justiça, amizade e fraternidade entre os povos”, contou Zyuganov em uma coletiva de imprensa na semana passada, em Moscou.
Nas últimas eleições legislativas, em dezembro de 2011, os comunistas conseguiram 20,44% de representatividade na Duma (câmara baixa da Assembleia Federal da Rússia), fortalecendo-se como a principal força de oposição do país, com 92 deputados de um total de 450. Em 2007, o KPRF conseguiu eleger somente 57 deputados, tendo atingido o seu auge em 1995, com 157 representantes (34,9%).
Os números, no entanto, não podem ser encarados como uma real aproximação dos russos ao Partido Comunista, mas como resultado da perda de credibilidade dos governistas do Rússia Unida. O partido, que apoia o presidente Vladimir Putin, terminou a jornada eleitoral com 238 deputados (contra 315 em 2007).
“O voto no partido de Zyuganov nas eleições presidenciais e nas legislativas foi um voto contra Putin. 20% dos russos escolheram votar nos comunistas, mas mais da metade não conhece o programa, nem a ideologia do Partido Comunista”, explica o analista político Vladimir Orlov.
O direcionamento ideológico do Partido Comunista russo vem sendo alvo de críticas de setores mais à esquerda do próprio partido, que alegam que a liderança de Zyuganov levou o KPRF para uma ideia que se aproxima mais do nacionalismo-patriótico do que da ideologia marxista-leninista.
“Os velhos comunistas acham que o partido tomou uma linha muito moderada, assimilando o capitalismo. Mas na verdade, talvez seja uma boa estratégia", analisa Orlov.
Por cautela, o programa do Partido Comunista da Federação Russa evita fazer referência à “revolução”. "Falar a palavra ‘revolução’ com os russos é um grande risco. As pessoas têm medo. Durante as manifestações anti-Putin no ano passado, sempre que algum líder mais exaltado ia ao palco e falava ‘revolução’, a maioria das pessoas se calava e não o apoiava”, conclui o analista.
Os comunistas russos acreditam que a disputa fundamental entre capitalismo e socialismo não está completa e que a inatividade do movimento revolucionário é algo temporário. Segundo o KPRF, “a era moderna é a transição do capitalismo para o socialismo”.
O programa do Partido Comunista diz ainda que vivemos em uma época em que “a produção material e espiritual está sujeita às regras do mercado para maximizar o lucro e a acumulação de capital”, através da “exploração dos recursos humanos e naturais, com consequências devastadoras para futuras gerações e para o meio-ambiente”.
"O fundamental do discurso não mudou. Foram apenas feitas adaptações ao contexto do momento. Tem gente que acha que o Partido Comunista nem poderia ter página na internet", explica Sergey Oreshkin, líder juvenil do KPRF. "São novos tempos e um novo modelo de sociedade. Mas a nossa ideologia básica é a mesma".
A doutrina oficial do partido afirma ainda que o imperialismo é a última etapa do capitalismo, "confirmando a teoria de Lênin". O primeiro artigo do programa político do KPRF diz que “depois do fim da União Soviética, a restauração do capitalismo na ex-URSS representa a política de globalização imperialista dos Estados Unidos e dos seus aliados”, que para atingir seus objetivos estão “ativamente usando blocos político-militares e recorrendo a hostilidades abertas”.
A ala à esquerda do partido não vê com bons olhos o discurso oficial. “Há uma tendência burguesa no KPRF. Zyuganov já disse que propriedades privadas são completamente aceitáveis. Estamos acomodados e mudando a nossa ideologia, a nossa base, os nossos princípios”, conta Dmitry, um "velho comunista que ama o camarada Lênin".
Avesso às críticas, o líder Zyuganov reforça o discurso de atrelamento do atual partido comunista ao seu passado soviético. “O socialismo soviético não é apenas o passado, mas o futuro da Rússia”. Para Zyuganov, a política na Rússia deve estar baseada em quatro princípios - poder forte, coletivismo, espiritualidade e justiça.
Patriotismo
O Partido Comunista russo criou em dezembro do ano passado um novo movimento patriótico chamado “Ordem Russa”, que tem como objetivo “unir as pessoas e preservar a civilização russa”. O grupo já que agrega 300 organizações “patrióticas e religiosas”, bem como artistas e legisladores.
Zyuganov declarou a jornalistas que a civilização russa tem sido uma das “mais brilhantes” invenções locais, com 190 povos diferentes, cada um com sua língua e cultura.
A preservação da identidade da Rússia em meio à globalização é um dos objetivos centrais da Ordem Russa, que considera o idioma “a base da unidade e da criatividade no país”.
O discurso anti-EUA também é cada vez mais popular e trabalha em consonância com o discurso do partido majoritário, Rússia Unida. A ameaça externa e o perigo da influência ocidental (mais especificamente norte-americana) fazem parte da criação identitária e imaginária tanto do partido do Putin como dos comunistas.
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Discurso crítico aos EUA é um dos poucos pontos que aproximam os comunistas de Putin
“Eles se definem como internacionalistas, mas têm um discurso nacionalista, de patriotismo de Estado. É contraditório”, criticou Yuri Shuvalov, alto funcionário do partido governista.
Homofobia
O partido tem se posicionado sistematicamente a favor da criminalização da homossuxualidade. Em 2006, membros da KPRF atacaram violentamente participantes de uma parada do orgulho gay em Moscou. O ataque foi criticado por diversas associações internacionais, incluindo o próprio Partido Comunista Francês (PCF), que classificou o ato como “vergonhoso”.
Em resposta à critica do PCF, o secretário de imprensa de Zyuganov, Alexander Yushenko, disse que “os comunistas franceses podem apoiar quem eles quiserem na França – homossexuais ou masturbadores”. Zyuganov, por sua vez, afirmou que a parada gay em Moscou é algo “doentio” e que “contradiz os valores morais russos”.
No início de 2012, Zyuganov atacou as políticas sociais da Rússia, apontando a “decadência moral” como a culpa das altas taxas de suicídio (especialmente entre crianças e idosos) e do número de abortos no país.
Sombra de Stalin
A afinidade do partido com Stalin, líder cuja memória divide a população russa, continua sendo uma das críticas mais recorrentes contra o KPRF, classificado pelo pesquisador britânico Luke March como um “conservadorismo militante”.
O partido reconhece Stalin como um líder bolchevique exitoso e como a cabeça responsável pela vitória da Rússia na Segunda Guerra Mundial, contra a Alemanha nazista. O período entre 1941 e 1945, que marca a participação da Rússia na guerra, é conhecido no país como a Grande Guerra Patriótica.
Em 2010, Zyuganov chegou a declarar que “qualquer estabilidade do governo de Medvedev e Putin é resultado do trabalho de Stalin”. O líder comunista disse ainda que Stalin é “um grande homem de Estado que criou um país onde a classe trabalhadora se sente confiante”.
Fonte: Opera Mundi.
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