América Latina: Privatização da extração de lítio gera conflitos políticos, econômicos e sociais no Chile.


Diante da perspectiva de que suas jazidas de cobre não produzam, daqui a trinta anos, o mesmo que produzem hoje, o Chile busca alternativas para um dos pilares da sua economia. A venda do minério é o principal motor do PIB chileno e é responsável por mais da metade das exportações do país.

Entre as diversas opções, uma em particular tem o potencial para substituir a importância do cobre na economia chilena: a extração de lítio. As poucas reservas de lítio exploradas no Chile já representam 41% da produção mundial do minério, e a demanda cresce espantosamente.
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O presidente chileno Sebastián Piñera (direita) criou os CEOL através de um decreto presidencial.

Além disso, o país faz parte da região batizada como Triângulo do Lítio, apelido dado à tríplice fronteira entre Chile, Bolívia e Argentina, que comporta cerca de 85% das reservas conhecidas do material.
Entretanto, as medidas tomadas pelo governo chileno nos últimos cinco meses, através das quais se iniciou o processo de privatização das reservas e da extração do lítio, têm acendido o sinal de alerta dos movimentos sociais que defendem a nacionalização do cobre e dos demais recursos minerais.
As primeiras manifestações convocadas por trabalhadores mineiros e pelo Comitê de Defesa e Recuperação do Cobre aconteceram somente na capital, em fevereiro de 2012. Na época, o presidente Sebastián Piñera criou o CEOL (Contrato Especial de Operação de Lítio) através de um decreto presidencial, prerrogativa que o tornou vigente apesar de não ter sido aprovado pelo Congresso. Os eventos não contaram com grande mobilização da população. 
Já a terceira manifestação ocorreu no dia 23 de junho em diversas cidades do país e com apoio explícito de diversos movimentos sociais, em especial dos representantes do movimento estudantil. O ato de encerramento contou com pouco mais de 15 mil pessoas, segundo os organizadores – que também estimaram a participação de outros 30 mil manifestantes nas demais cidades.
Como funciona o CEOL
No dia 16 de junho, uma semana antes da terceira e mais numerosa manifestação contra a privatização do lítio, o governo abriu as inscrições para a licitação dos primeiros CEOLs. Os contratos prevêem a exploração de reservas de lítio por vinte anos, cobrando royalty de 7% sobre as vendas anuais da matéria-prima.
O subsecretário de Minas e Energia, Pablo Wagner, realizou um giro internacional para promover o lítio chileno e explicar como funcionarão os CEOLs. Neste período, ele passou por Austrália, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Canadá.
Em entrevista a um portal de notícias chileno, Wagner defendeu o sistema misto de exploração do lítio e negou que seja inconstitucional: “os CEOLs permitem que os locais que antes estavam reservados possam ser objeto de exploração”.
Para ele, o sistema misto “é o único que garante os investimentos necessários para impulsionar o crescimento econômico que financiará maiores e melhores programas sociais”.
Conflito de Interesses
Wagner tem sido a principal voz do governo desde o lançamento dos CEOLs, já que o ministro titular da pasta, Hernán de Solminihac, decidiu distanciar-se do processo, no começo do mês de julho, por conflitos de interesses.. O irmão do ministro, Patrício de Solminihac, é gerente executivo da SQM, principal empresa privada chilena extratora de cobre, cujo dono é um ex-genro de Pinochet – o próprio presidente Sebastián Piñera já foi acionista da SQM, mas vendeu toda a sua participação em maio de 2008.
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O Ministério de Minas e Energia, através de sua assessoria de imprensa, afirmou que os CEOLs não estão isentos da necessidade de aprovação parlamentar, que cada contrato deverá ser analisado pelo Legislativo antes de ser posto em prática, e que a ideia do governo é “agilizar um processo essencial para o país, que necessita obter o máximo de rendimento através de seus recursos minerais, e o mais rápido possível”.

[O ministro de Minas e Energia chileno Hernán de Solminihac]
O Ministério explica também que as licitações terão vigência de no máximo vinte anos e que o Estado chileno estima que arrecadará um valor superior a 300 milhões de dólares em cada contrato. Os candidatos poderão ser empresas, consórcios empresariais ou pessoas de forma individual, e também aceitaremos postulantes nacionais e estrangeiros, incluindo grupos que reúnam participantes chilenos e de outros países.
A assessoria não se referiu aos casos de conflitos de interesse envolvendo o ministro Solminihac.
Travas opositoras
As reações da oposição a respeito das medidas implantadas pelo governo foram poucas. As duas vozes que mais se levantaram para criticar os CEOLs foram as senadoras Isabel Allende (filha de Salvador Allende, presidente que estatizou o cobre chileno, em 1971) e Ximena Rincón, mas ambas encontraram mais apoio nas pequenas bancadas independentes que em sua própria coalizão – a Concertação, bloco de centro-esquerda que reúne o Partido Socialista, o Partido Democrata Cristão e o Partido Radical.    
Devido à falta de respaldo por parte dos colegas parlamentares, Allende e Rincón começaram a buscar novas formas de frear o processo de licitação do lítio através dos CEOLs, No dia 27 de julho, junto com outros três senadores da Concertação, elas entraram com uma ação que pede a anulação dos procedimentos abertos pelo governo em junho.

A democrata cristã Ximena Rincón encabeça uma das três pré-candidaturas presidenciais da Concertação. Das três propostas inscritas até agora nas primárias do principal bloco opositor chileno (programadas para junho de 2013), a dela é a única que apresenta propostas específicas sobre o lítio.

[A senadora Ximena Rincón, contrária às privatizações. Crédito: Wikicommons]
Segundo a senadora, “os CEOLs sequer foram debatidos pela sociedade, precisamos fazer com que os chilenos entendam que a decisão do governo não favorece o interesse público, foi tomada na ausência do mesmo e significa degolar a galinha dos ovos de ouro”.
Ximena, que ocupou cargos executivos no período em que a Concertação esteve no governo, reconhece que nenhuma administração chilena, incluindo as de seu bloco, teve uma política específica sobre o lítio, como existe sobre o cobre desde os anos 1960.
“Com as reservas que o Chile possui hoje e a demanda mundial crescente, é essencial ter uma política de longo prazo para o lítio que assimile também as lições deixadas pelos erros e acertos da nossa história com o salitre e o cobre”, opina a senadora.
Capacidade da Codelco em cheque
Outra desculpa do governo chileno para as privatizações é a de que o país não possui infraestrutura e tecnologia suficientes para extrair e comercializar o minério, e que o modelo de concessões permitiria à estatal Codelco, especialista em extração de cobre, aprimorar seu manejo deste outro material, em parcerias com outras empresas mais experientes.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Hernán de Solminihac, “o país deve operar até onde a nossa estatal mineira for capaz de operar, e o resto vamos terceirizar e cobrar o melhor royalty possível”.
Na mesma entrevista, o subsecretário Pablo Wagner, assegurou que a estatal Codelco será uma das candidatas dos primeiros leilões programados para setembro, embora tenha questionado a capacidade da empresa de explorar o lítio.
Segundo ele, “a operação neste caso é quase equivalente à operação de um mineral não metálico (o lítio é o mais leve dos metais da tabela periódica), muito diferente do cobre, e talvez fosse necessária uma longa adaptação para poder estar em condições de produzir o mesmo que se produz explorando o cobre”.
A opinião de Wagner difere da expressada pela FTC (Federação dos Trabalhadores do Cobre), que em uma declaração em meados de junho afirmou que a Codelco “está plenamente capacitada para explorar este, que é um mineral que constitucionalmente não pode ser privatizado”.
Segundo os mineiros, “os melhores depósitos de lítio que o país possui ainda são propriedade do Estado, o qual, erroneamente, pretende entregar ao setor privado, ignorando que possui os meios para explorar adequadamente o recurso através de suas empresas estatais”.
Na mesma linha dos trabalhadores mineiros está Jaime Salas, diretor da CCHEN (Comissão Chilena de Energia Nuclear), que diz: “Os projetos patrocinados pelos órgãos estatais de fomento tecnológico demonstraram excelentes resultados, além da diversidade, pois tivemos projetos de desenho e fabricação de baterias de lítio, elaboração de derivados diversos, incluindo materiais avançados para uso em reatores de fusão e separação isotópica a laser de partículas de lítio, entre outros exemplos”.
Salas comenta também que já foi duas vezes ao Congresso para explicar os avanços dos projetos realizados por universidades chilenas e como eles poderiam ser ampliado com a criação de infraestrutura no país. O cientista defende que “o Estado deveria criar uma entidade dedicada inteiramente à exploração do mineral, e a partir dela fomentar a expansão de uma indústria nacional voltada a ele”.
As ideias de Salas são resumidas desta forma pela senadora Ximena Rincón: “o crescimento da demanda de lítio é mais uma grande oportunidade que o Chile tem para impulsionar sua indústria, portanto, estamos diante de uma dessas decisões que definem o tipo de país que teremos no futuro”.
Fonte: Opera Mundi.

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