A nova classe média africana .

Pobreza abjeta aqui, opulência ali e, no meio disso, nada. Essa era a imagem comum das sociedades africanas até agora. Porém, em alguns países está nascendo uma nova classe média que pode transformar radicalmente o aspecto da África.

EXISTEM, PORÉM, PAÍSES nos quais o desenvolvimento não evolui, muitas vezes, por razões políticas. Para Darbon, um desses exemplos seria “o colapso econômico na Costa do Marfim, que durante anos representou o milagre econômico africano”.
Segundo o cientista, a própria classe média muitas vezes tem uma conduta tendenciosa de conivência com o Estado, sem exercer crítica. Mas existem exceções. No Quênia foi justamente essa parcela da população que não apoiou os conflitos étnicos desencadeados pelo governo e pela oposição após as eleições presidenciais de 2008. “Por essa razão, a estabilidade política acabou retornando muito mais rapidamente do que se supunha”.
A África pode tornar-se um continente da esperança?

Os diagnósticos sobre a nova classe média africana não são incontestados e inequívocos. Os pessimistas gostam de relativizar essas observações, indicando que a nova prosperidade desfrutada pelo continente devese exclusivamente ao explosivo aumento do preço das matérias-primas, encabeçadas pelo petróleo. Além disso, acrescentam eles, a riqueza na África nunca beneficiou as grandes massas nem os problemas, como a corrupção desenfreada, que persiste.
O continente é afligido por outros males hereditários, como a fome. Mesmo em países que estão prosperando, o aumento do preço dos alimentos fomenta inquietações. Após novo encarecimento do pão, em 2009, dez pessoas morreram durante manifestações em massa em Moçambique – país cuja economia cresce anualmente mais de 8%, mas no qual 65% da população vive abaixo do nível da pobreza. A África do Sul, a maior e mais forte economia do continente, também é abalada por protestos. Em setembro de 2010, os funcionários públicos exigiram aumento salarial e, durante o processo de negociações, paralisaram o país inteiro durante várias semanas.
Apesar de exemplos como esses, os peritos consideram que o continente africano vive atualmente uma retomada econômica saudável e sustentável, na qual a classe média tem grande participação. Afinal, historicamente ela sempre foi a garantia de grandes sucessos. Nos séculos 18 e 19, a Grã-Bretanha só conseguiu tornar-se a primeira – e verdadeira – superpotência mundial porque possuía uma sólida classe média como alicerce econômico. Nos Estados Unidos, essa camada social assumiu posteriormente a mesma função, e na China está ocorrendo exatamente o mesmo processo.
CAMARÕES 
Guy Désiré é diretor de uma escola de ensino fundamental em Buéa, no oeste da República. Antes de ir para o trabalho ela e seu filho ainda pegam rapidamente uma galinha que precisam vender a um freguês. Désiré duplica seu salário de professor com uma pequena granja e uma apicultura.
ENTRETANTO, AS OPINIÕES dos especialistas divergem amplamente sobre a força da classe média africana. Um dos problemas está no fato de que em nações com estatísticas públicas falhas é muito complicado analisar e compreender esse amplo grupo populacional multifacetado.
Uma simples comparação das rendas líquidas fornece poucas informações. Na Nigéria, por exemplo, ela se situa oficialmente em R$ 436,47 (€ 191,00) per capita por mês; mas quando se calcula o poder de aquisição dessa soma em relação aos preços, o resultado fornece um valor médio de R$ 2.047,50 (€ 896,00).
Outro problema para os cientistas é o significado da economia paralela, informal, que não se deixa abarcar nem calcular. Portanto, se trata da renda procedente de toda uma gama de atividades e provedores de serviços, desde pequenas farmácias particulares a oficinas informais ou postos de reciclagem. “A grande maioria da classe média obtém sua renda integral ou pelo menos parcial desses tipos de atividades”, afirma Darbon.
Em 2007, o Banco Mundial sugeriu como definição para uma “classe média global”, uma equação que se orienta na renda anual per capita em relação ao seu poder aquisitivo. De acordo com isso, quem ganha por ano entre R$ 6.855,6 (€ 3.000,00) e R$ 28.565,00 (€ 12.500,00) pertence à classe média. Em 2025, ela abrangerá 1,2 bilhão de pessoas que, em sua grande maioria, se originarão de países emergentes, principalmente da China e da Índia.
ENTRETANTO, A DEFINIÇÃO do Banco Mundial exclui muitos dos africanos entrevistados pelos pesquisadores franceses. De acordo com a interpretação oficial americana, eles se situariam abaixo do limiar da pobreza porque ganham menos de US$ 13,00 por dia e não podem ter luxos como fazer viagens de férias, comprar um carro, concluir estudos universitários ou se submeter a tratamentos odontológicos.
Por essa razão, os pesquisadores de Bordeaux sugerem uma definição mais abrangente de classe média, para a qual utilizam o conceito chinês de “pequeno bem-estar” (ou classe média baixa). Para eles, esse nível é alcançado por pessoas que podem satisfazer mais do que apenas suas necessidades básicas com a renda mensal. De acordo com essa definição, parte do salário tem de permanecer livremente disponível. Outros critérios incluem uma habitação aceitável, um número razoável de familiares, a emancipação econômica de esposas e filhas, acesso a atendimento médico e rendas mensais em vez de diárias. Além disso, é necessário ter remuneração regular que proteja da súbita pobreza e possibilite um planejamento do futuro.
Quando se toma por base essa definição, o “pequeno bem-estar” já se viabiliza com uma renda diária de R$ 3,20 (€ 1,40) nos países mais pobres da África. Nesse caso, a classe média africana englobaria entre 150 e 350 milhões de pessoas; portanto, de 15% a 35% da população continental. O economista norte-americano Vija Mahajan é mais otimista: de acordo com seus cálculos, em breve a classe média africana contará com até 500 milhões de pessoas.
“Em 2050, a África terá 1,8 bilhão de habitantes, uma vez e meia a mais que a Índia atual e três vezes a mais que a Europa de amanhã”, escreve Jean-Michel Severino. A parcela populacional nas cidades – onde vive a grande maioria da classe média – também experimentará um crescimento acentuado. Na realidade isso já vem acontecendo: há 60 anos, não existia uma única cidade com um milhão de habitante ao sul do Saara. Hoje já são 38. De acordo com a opinião de Severino, a urbanização fortalecerá a economia africana duradouramente – e lhe proporcionará, principalmente, mais peso global.
Prognóstico: o poder aquisitivo da África aumenta e prospera Entre 2000 e 2020, o número de domicílios africanos com renda anual de US$ 5.000,00 deve saltar de 59 para 128 milhões. Simultaneamente os dados indicam que a parcela da população pobre do continente também deverá diminuir – em quase 50%.

Em vista desses prognósticos, os investidores internacionais já se regozijam. Até 2040, os consumidores africanos terão alcançado poder aquisitivo de US$ 1,7 trilhão, estima a Proparco, subsidiária da agência de desenvolvimento francesa AFD. As empresas que estão sendo fundadas atualmente têm em vista precisamente essa massa consumidora – e produzem bens específicos para a classe média: brasseries (restaurantes com ambiente descontraído e requintado que servem pratos simples e outras refeições), em Uganda; parques de diversões, no Quênia; centros médicos, em Gana; supermercados na Tanzânia e, em quase todos os lugares, “lava-jatos”, agências de companhias de seguro, bancos, rede de restaurantes fast-food, escolas particulares – e novos programas de TV.
Mercado negro e economia paralela: importantes fontes de renda para a classe média

CAMARÕES Alice Nkm é advogada. Ela defende gays, que podem passar até cinco anos na prisão devido às suas preferências sexuais.
A venda de aparelhos de TV explodiu na África – um fato que os economistas também avaliam como um sinal de ascensão da classe média. O ramo cinematográfico e de filmes para a TV também floresce: na Nigéria, essa indústria, chamada de Nollywood em vista de seu tamanho e importância, produz atualmente 2 mil filmes por ano – mais que Bollywood, sua concorrente indiana, em Mumbay, e a original de Hollywood juntas. O desenvolvimento do ramo da telefonia celular é semelhante: em 2007, 264,5 milhões de africanos possuíam um celular – em comparação com 51,4 milhões quatro anos antes. Segundo Annie Chéneau-Loquay, pesquisadora do Centro Científico francês CNRS, que estuda os hábitos de comunicação na África, esse foi o maior aumento em termos globais.
Contudo, a melhoria da qualidade de vida e a ascensão da classe média na África têm seus lados sombrios. Dinky Levitt, professora de Medicina na Cidade do Cabo, na África do Sul, constatou que em muitos países do continente o diabetes aumentou em mais de 30%, por três razões, como ela diz: obesidade, inatividade física e urbanização. Outro indício mostra que a África, pelo menos em parte, está se tornando mais burguesa e acomodada. Inclusive no quesito alimentação.
Fonte: Revista Geo.

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