Entenda a crise nos EUA.
Há meses a Casa Branca e o Congresso estão envolvidos em negociações para chegar a um acordo que permita elevar o teto da dívida pública dos EUA e, assim, evitar o risco de calote.
Nas últimas semanas, o presidente Barack Obama e líderes dos dois partidos - Democrata e Republicano - vêm se reunindo quase diariamente, mas ainda não conseguiram solucionar o impasse.
O governo diz que, caso não haja acordo até 2 de agosto, os Estados Unidos terão de, pela primeira vez, deixar de cumprir seus compromissos financeiros. Analistas, no entanto, apostam em uma solução antes disso.
Veja detalhes sobre os principais pontos da discussão.
Qual o motivo da negociação?
O governo americano precisa que o Congresso autorize uma elevação do teto de endividamento público para poder continuar cumprindo seus compromissos financeiros.
Os Estados Unidos atingiram seu limite legal de endividamento público - de US$ 14,3 trilhões (cerca de R$ 22,3 trilhões) - no último dia 16 de maio.
Na ocasião, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciou medidas temporárias, como a suspensão de investimentos em fundos de pensão públicos, para evitar que a dívida ultrapasse esse limite.
No entanto, segundo o governo, essas medidas temporárias só conseguirão ter efeito até 2 de agosto. A partir dessa data, caso o teto não seja elevado, o governo não terá mais dinheiro e precisará parar de pagar algumas obrigações financeiras.
Esta é a primeira vez que Casa Branca e Congresso precisam negociar uma elevação do teto da dívida?
Não. A renegociação do teto da dívida é comum no país e é realizada periodicamente.
Ao contrário de outros países, onde o endividamento aumenta automaticamente à medida que os gastos superam a arrecadação, a legislação americana estabelece desde 1917 um limite legal de endividamento público.
Na época, o teto era de US$ 11,5 bilhões, mas englobava diferentes categorias de empréstimo com diferentes limites. O teto da dívida no formato atual foi estabelecido em 1939 e, desde então foi elevado cerca de cem vezes.
Na última década, o Congresso já elevou o teto da dívida dez vezes. É comum haver impasse nessas negociações, opondo democratas e republicanos.
Qual o principal impasse na negociação atual?
A oposição republicana, que controla a Câmara dos Representantes (deputados federais), exige que um acordo para elevar o teto da dívida seja vinculado a cortes no orçamento americano, para reduzir o déficit recorde, calculado em cerca de US$ 1,5 trilhão (R$ 2,3 trilhões) para o ano fiscal que termina em setembro.
Apesar de representantes de ambos os partidos concordarem com a necessidade de reduzir gastos, há muitas divergências sobre o que cortar e que programas atingir.
Os republicanos se recusam a aceitar qualquer proposta que inclua aumento de impostos. Obama, no entanto, insiste na necessidade de acabar com cortes de impostos que beneficiam a camada mais rica da população, criados ainda no governo de George W. Bush.
Os democratas, por outro lado, relutam em tocar em programas sociais que os republicanos querem enxugar.
Quais as principais propostas em discussão?
Diversas propostas já foram discutidas sem sinal de acordo. Na última semana, dois projetos ganharam maior atenção.
Em 19 de jullho, a Câmara dos Representantes aprovou uma proposta chamada de "Cut, Cap and Balance" (algo como "cortar, limitar e equilibrar", em tradução livre) que, entre outros pontos, inclui cortes imediatos em programas sociais do governo e limita gastos futuros a menos de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) americano.
A proposta também condiciona a elevação do teto da dívida em US$ 2,4 trilhões à aprovação de uma emenda constitucional que estabeleça novas regras de equilíbrio orçamentário.
Segundo analistas, essa proposta tem valor mais simbólico, já que dificilmente será aprovada pelo Senado, onde os democratas são maioria. Obama também já avisou que vetará o projeto caso chegue à sua mesa.
O presidente apoia outra proposta, articulada por um grupo de três senadores democratas e três republicanos (batizado de "Gangue dos Seis"), que prevê o corte de US$ 3,7 trilhões no Orçamento nos próximos dez anos por meio de um conjunto de medidas que inclui redução de gastos militares e cortes em alguns programas sociais, mas também aumento de arrecação.
Caso não haja acordo, que contas o governo deixaria de pagar?
Se o teto da dívida não for elevado e o governo ficar sem dinheiro e sem poder captar mais empréstimos, ele será obrigado a escolher que compromissos financeiros deixar de cumprir.
Analistas afirmam que o governo teria de cortar 44% dos gastos imediatamente, além de cortes subsequentes.
O calote pode afetar tanto credores externos quando despesas domésticas, como o pagamento de benefícios sociais, salários de militares e veteranos e servidores públicos e empréstimos estudantis.
Quem são os credores do governo americano?
Dos US$ 14,3 trilhões da dívida americana, um total de US$ 4,6 trilhões estão nas mãos do próprio governo, emprestados de fundos de Seguridade Social.
Os US$ 9,7 trilhões restantes são devidos a investidores em títulos do Tesouro, que podem ser tanto pessoas físicas quanto empresas, governos, bancos e fundos de pensão. Cerca da metade desse montante está em poder de credores estrangeiros.
Segundo dados divulgados pelo Departamento do Tesouro relativos a maio, o Brasil é o quinto maior credor estrangeiro da dívida americana, com US$ 211,4 bilhões (cerca de R$ 330 bilhões, ou quase dois terços das reservas internacionais) aplicados em títulos do governo.
O maior credor estrangeiro é a China, com US$ 1,16 trilhão, seguida por Japão, Grã-Bretanha e um grupo de países exportadores de petróleo.
Qual a real possibilidade de calote?
Apesar dos alertas feitos pelo governo americano de que terá de deixar de pagar suas contas caso o teto da dívida não seja elevado até 2 de agosto, a possibilidade de calote é considerada remota por diversos analistas.
Segundo eles, mesmo que o impasse se estenda até o início de agosto, a probabilidade é de que haja um acordo antes do prazo final ou, na pior das hipóteses, imediatamente após o prazo estourar.
Caso realmente haja calote, qual seria o impacto?
Obama vem advertindo há várias semanas para as consequências "significativas e imprevisíveis" que um calote teria para a economia americana e já disse que há o risco de o país mergulhar em nova recessão.
Em junho, em um relatório sobre os Estados Unidos, o FMI (Fundo Monetário Internacional) disse que a dívida estava em uma "trajetória insustentável" e que um fracasso nas negociações no Congresso causaria "choques severos" na recuperação ainda frágil da economia americana.
As principais agências de classificação de risco já alertaram para a possibilidade de rebaixamento da nota dada ao país. Atualmente os Estados Unidos têm rating "AAA", o mais alto, reservado a países que demonstram grande capacidade de cumprir seus compromissos financeiros.
Diante do impasse no Congresso, a Standard & Poor's e a Moody's colocaram a nota dos Estados Unidos em revisão, com risco de rebaixamento caso o teto da dívida não seja elevado.
A Fitch disse ainda apostar em acordo antes de 2 de agosto, mas ressaltou que, caso o teto da dívida não seja elevado até a data, colocará a classificação dos Estados Unidos em observação negativa.
Segundo analistas e o próprio governo americano, o impacto de um calote seria sentido além das fronteiras americanas e poderia provocar distúrbios nos mercados globais.
No entanto, muitos analistas afirmam que um eventual calote seria por um curto espaço de tempo, o que não provocaria grandes abalos na reputação dos Estados Unidos como um destino seguro para investimentos.
Qual seria o impacto no Brasil?
Como o Brasil é um grande credor da dívida americana, um eventual calote poderia ter consequências para o país.
Segundo o economista Gregory Daco, da consultoria IHS Global Insight, um dos efeitos seria que o Brasil teria de procurar outras alternativas para aplicar suas reservas internacionais.
Entre as opções estariam ativos considerados mais seguros, como ouro, ou mesmo papéis de outros países. Entretanto, o momento atual de crise de dívida e de credibilidade em várias economias europeias dificulta a busca de alternativas aos títulos americanos.
Fonte: Caderno de economia do Estadão.
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